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18 dezembro, 2014

Consumismo, Zoella, ghostwriters e desejos humanos.

Pelo booktube gringo nessa semana começou uma discussão muito interessante sobre a youtuber Zoe Sugg (Zoella) e o seu recém lançado livro, Girl Online (que deve ser lançado no Brasil no ano que vem pela Verus). Se você não sabe quem é Zoe Sugg ou Zoella, a garota britânica é mais uma guru de beleza que explodiu na rede social do google e hoje tem cerca de 6.7 milhões de inscritos no seu canal principal!


A coisa toda começou quando as pessoas começaram a questionar como Zoe teria encontrado tempo para escrever uma novela que tem uma quantidade razoável de páginas, tendo ela uma agenda super corrida. Ainda mais quando ela e o namorado dela Alfie Deys fazem vlogs diários do dia a dia deles e ninguém nunca viu ou ouviu nada relacionado a produção de um livro. E a gente sabe que escrever uma novela não é só sentar a bunda na cadeira por algumas horas. NaNoWriMo tá ai para provar que mesmo um mês ainda pode ser pouco para fazer isso. Provavelmente depois de terem sido espremidos contra a parede, a Penguin, editora que publicou o livro da garota, disse que não podia confirmar que a Zoe foi a única que trabalhou nesse projeto. Ou seja...

A primeira coisa que nós precisamos deixar claro é que, qualquer discussão e qualquer opinião dada não só por mim, mas pelos que fizeram ou farão qualquer tipo de discussão relacionado à essa polêmica, é que tudo que é/será dito é direcionado a Zoella youtuber e pessoa pública, e não a garota por trás das câmeras. Utilizando o nome como a marca que ele se tornou, e não como um julgamento do caráter da pessoa por trás dele. Ninguém além dos amigos e familiares da menina realmente a conhece, e certa ou errada, o respeito pelo ser que se encontra no meio dessa confusão deve ser mantido. Ninguém gosta de bullies e bullies não podem sentar com a gente.


Temos que aceitar que, como em vários casos no youtube, Zoella se tornou uma marca. Quer dizer, esse nome está diretamente relacionado a 6.7 milhões de fãs! Não precisa ser um gênio para saber que o nome Zoe Sugg vai dar público, que por ordem natural, se reverte em dinheiro. Graninha. Bufunfa. Que foi exatamente o que aconteceu com Girl Online, que bateu o recorde da J.K. Rowlling como livro mais vendido na semana do lançamento. Vai vendo. 

Se você nunca ouviu falar sobre ghostwriters, eles são basicamente autores que vendem suas obras geralmente por uma quantia fechada de dinheiro e que, posteriormente, não recebem nenhum crédito ou remuneração pelo livros vendidos, seja ele bem ou mal recebido no mercado. O autor abdica de sua criação vendendo todos os direitos para alguém ou alguma editora que vai reaproveitar aquela história provavelmente com um nome que venha a trazer um rendimento monetário mais... interessante.

Vendo os videos no youtube e lendo os comentários, uma das minhas maiores dúvidas/preocupações era com as pessoas sentindo pena do ghostwriter que trabalhou com (ou sem) a Zoe no desenvolvimento de Girl Online. É claro que nesse ponto a gente não sabe de nada nem confia em ninguém, mas falando e pensando no geral, ghostwriters merecem pena por não receberem créditos por seus trabalhos vendidos? Eu acho que não. A menos que a pessoa que co-escreveu aquela determinada história não saiba que ela é uma ghostwriter, então não encontro motivos para o apiedamento do vendedor, considerando que ele estava ciente do que estava fazendo e recebeu sua parte por isso.

Infelizmente, nós leitores (e seres humanos de um modo menos contextualizado) gostamos de acreditar que o que acontece de ruim em outras industrias não é algo que se repete no nosso maravilhoso mundo dos livros. Mas, surprise, surprise, onde tem movimentação de dinheiro tem mutreta, e isso inclui a industria literária. Esse é um tópico bastante complexo que eu certamente não estou pronta para dar uma opinião aprofundada ainda, então vou voltar as questões éticas e morais da coisa toda: É errado vender sua história? Não é da nossa conta. O que o autor faz ou deixa de fazer com sua produção é e sempre será apenas da alçada dele, sendo o individuo livre para fazer o que ele bem quiser, contanto que dentro lei.

Mas e levar créditos pela criação de outro autor? É certo? Bem...

É claro que isso vai variar de caráter para caráter, e é obvio que tem muita coisa por trás dessa história particularmente que nós não sabemos. Antes de conversarmos diretamente sobre o caso da Zoella, no mundo literário nós temos dois casos que podem nos ajudar a compreender o porque da frustração dos fãs com essa história toda.

James Petterson. Não é segredo para ninguém que o cara é assessorado por uma equipe de ghostwriters. Ele já disse isso, a editora dele já disse isso. Em uma entrevista para o Charlie Rose, Patterson ainda explicou como isso acontece, você pode assistir a entrevista aqui a partir dos  39 minutos. O que acontece (aparentemente) é que Petterson propões um enredo ou uma premissa, seus ghostwriters sentam com ele e vão dando opiniões e direções para que o livro vá tomando forma. É claro que os créditos vão todos para o Petterson, mas pelo menos ele é honesto, não é mesmo? Assim ele continua lançando um livros por mês e não perde seus fieis leitores.

Ai nós temos o ótimo exemplo dado pela Ariel Bisset da Hilary Duff. Atriz e cantora, Duff acrescentou o titulo de escritora ao seu currículo ao lançar a trilogia Elixir. Famosa pela série Lizzie McGuire, pelo filme Na Trilha da Fama e mais uma porção de musicas pop que ficam da sua cabeça por semanas, quando a atriz lançou suas novelas, seus fãs (provavelmente) pouco se importaram com sinopse, premissa ou promessa de enredo. Eles compraram o livro simplesmente por ter o nome da Hilary na capa. 

O que acontece é que dentro, na folha de face do livro, temos ali o titulo do livro, Hilary Duff eeeeeee o nome da co-escritora da Duff. Não sabemos quanto daquele livro foi escrito pela Hilary e se aquilo foi sequer escrito pela Hilary. O nome dela poderia muito bem ser apenas uma jogada de marketing que vai fazer chover graninhas. Não dá pra ter certeza. Mas pelo menos quem vai comprar sabe que aquilo que ele está adquirindo não é uma coisa completamente diferente do que é proposto.


E eu nem vou citar a L.J. Smith com a série Os Diários do Vampiro. Ou que até o H.P. Lovecraft já foi ghostwriter. Ou que Silmarillion foi finalizado pelo Christopher Tolkien, filho do Tolkien, Tolkien. Ou que a Carolyn Keene na verdade é pseudônimo para uma porrada de autores que escreveram os livros da série Nancy Drew. Eu posso continuar pelo resto do dia...

Eu, Gabriela Dias, sou apaixonada pela Cassandra Clare. Eu sou dessas fãs que se a Cassandra lançasse um livro ensinando a limpar o ouvido, eu compraria a porcaria do livro ensinando a limpar o ouvido unica a exclusivamente porque tem o nome da Cassandra Clare ali. Se ela lançar um livro co-escrito com mais 30 autores, eu vou comprar porque tem o nome Cassandra Clare ali. Sem sombra de dúvidas, o mesmo aconteceria se invertêssemos isso para Zoe e seus quase sete milhões de inscritos/fãs.

Isso porque somos todos integrantes de uma sociedade consumista e materialista. É natural do ser humano querer ter coisas (e/de pessoas) que a gente gosta por perto. Então gastamos primeiro e pensamos nas consequências e pesquisamos depois. Isso é algo que acontece muito para os apaixonado por livros em geral. Quantos livros na sua lista de desejo você realmente sabe sobre o que se trata? Quantos você não faz a menor ideia do que vai falar, mas quer porque alguém falou ou você viu em algum lugar? E as compras pela capa? Quantos livros de celebridade você tem na sua TBR sem nem ao menos saber (ou se importar) sobre o que é aquele negócio. 

E ai chegamos na Zoe e nos fãs divididos e chateados. Como assim a gente compra o livro da Zoella mas nem foi a Zoella quem escreveu? Ninguém gosta de ser feito de otário. Ninguém gosta de mentiras. Segundo o que a Zoe tuitou, toda a estrutura da história, o enredo e os personagens são criações dela, e a participação do ghostwriter fica estritamente por conta de colocar tudo isso no papel. Sendo eu uma aspirante (bem mediocre) a escritora, consigo entender isso. Trazer suas ideias do cérebro para o papel e preencher um livro de uma forma onde o leitor não vá apenas ler, mas sentir aquilo que você quer passar, é fácil a parte mais difícil ao compor uma novela ou romance e não é vergonha nenhuma precisar de ajuda para tal. Mas custava falar a verdade?

Francamente esse barulho todo  só tá acontecendo porque a garota tem mais seguidores do que o Paraguai tem de habitantes. Isso e o fato de que todo leitor e fã e ser humano quer acreditar que aqueles que nós admiramos são super autossuficientes e que eles não precisam de ajuda para nada e nem de ninguém. Ghostwriting não é novidade e se você vai crucificar uma pessoa pelo uso disso, então você vai ter que crucificar todo mundo também. E ai é que o bicho pega.

Esse problema poderia ter side evitado se houvesse transparência e honestidade desde o começo, mas nenhuma das duas partes tocou no assunto em primeiro momento. Zoe tomou créditos por sua história e isso é justo, mas o livro não é só dela quando não foi ela quem passou sabe-se lá quantas horas sentada em frente a um computador fazendo, bem, a parte mais difícil. Duvido que o número de vendas do Girl Online tivesse sido menor do que foi, mesmo que a Zoe tivesse co-escrito ele com mais setenta youtubers, mas tanto a Penguin quanto ela permitiram que isso se tornasse uma bola de neve. Esse pequeno detalhe é o primeiro passo para uma quebra de confiança que pelo menos uma parte de sua audiência depositava nela. Ainda que ela não tenha mentido completamente, ou que nem tenha sido (e provavelmente não foi) ideia dela não mencionar o fato dela ter ajuda, confiança é um pilar que já vem torto e qualquer empurrãozinho pode fazer toda uma estrutura desmoronar.

Além do mais, se você acha que eles (Penguin) não pensaram em como essa "polêmica" reverteria em mais verdinhas, quando nem campanha publicitaria esse livro teve, sério, acorda

Espero que eu tenha feito algum sentido e que não envergonhe a Gabriela do futuro que vai ler isso um dia, porque eu definitivamente me empolguei.

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